domingo, 27 de maio de 2012

# 4 | Desafio Literário [Reencarnação]


Há momentos na vida que o véu se desvanece e a visão é clara, nesses momentos ela vê. A bruma que lhe tolda o olhar clareia e naqueles instantes o quadro completa-se perante os seus olhos, as cores avivam-se, as formas delineiam-se e o que antes era turvo torna-se claro como cristal. Mas ela esconde-o, sempre escondeu, não conta que vê nem o que vê. Fê-lo uma vez e percebeu a maldição. Para ela não é um dom, é uma maldição. Não escolhe o que vê nem quando vê. Vê a morte e a vida, ver a morte deixa-lhe uma amargura imensa no olhar e traz-lhe o gelo ao coração, ver a vida é a alegria das manhãs de sol e dos sorrisos felizes. Por vezes vê as pessoas. Ver as pessoas é complicado, acha que não deve ver as pessoas. Há coisas que não devem ser vistas. E ela sabe que não pode interferir.

Depois há as pessoas dela, essas vê-as com o coração mas sabe que se as vir com os outros olhos as vê com ela no caminho. Vida após vida num tecido complexo, fazem parte de si, como o ar que respira, estão juntos porque assim tem que ser, cruzaram-se porque estava escrito, vida após vida vão tecer um tecido que a cada teia será mais perfeito até ser a seda da eternidade.

Porque acha que não deve ver as pessoas não olha estranhos nos olhos. Sabe que pode ver o que não é para ser visto, não se deve ver as almas, há segredos que são secretos e assim devem ficar. Mas sempre soube que um dia iria ser nos olhos de um estranho que iria ver o caminho. As pessoas dela são o treino da vida para reconhecer este estranho. No coração delas esteve sempre o livro de instruções para que na hora que o véu se desvanecesse e a visão fosse a mais clara de sempre e reconhecesse o que tinha que ver. 

Encontrou-o quando não o procurava e viu-o com os olhos e o coração numa visão completa. Simplesmente aconteceu. No momento indivisível de um segundo a tela pintou-se quando o seu olhar encontrou o dele. Quando aquela porta se abriu e o estranho perguntou se podia entrar o destino cumpriu-se. Imprevisto, inesperado a visão do caminho tornou-se clara no olhar de um estranho, o encontro mil vezes escrito aconteceu. O caos do mundo tornou-se silêncio naquele olhar, o mundo parou e vida após vida viu-os aos dois, num caminho nem sempre perfeito, nem sempre completo, nem sempre cruzado, nem sempre aceite. Um jogar de dados que através dos tempos perspectiva a eternidade. Nesta vida os dados estavam lançados, o encontro tinha acontecido. Nunca negou o olhar ao estranho que é a sua casa, o seu coração conhece-o, vê-o, sabe-lhe a alma como sabe a sua, são duas faces da mesma moeda. Juntos são o todo, separados são só metades perdidas. Por vezes perde-se nos olhos do estranho e sorri, quando lá está perdida o caos do mundo silencia-se em si, não tem medo. Sabe que o estranho está no caminho dela mas não sabe se ela está no caminho do estranho nesta vida. O estranho vai ter que escolher e ela não pode interferir. Até lá espera e espera-o. Quando os seus olhos encontram os do estranho deixa que eles digam aquilo que as palavras não podem dizer, deixa a alma e o coração falarem num diálogo de olhares e sorrisos. O estranho deixou de ser estranho no nano segundo da eternidade que o seu olhar se cruzou com o dela. O estranho é a casa do seu coração.

O futuro é uma página em branco, frente à página está um escritor a viver o dilema da criação, palavra após palavra o futuro escrever-se-á.

20 comentários:

  1. Como não é de estranhar para quem te segue de mais perto dominas com mestria a arte das palavras. Desafio superado cariño :) para mim o melhor até ao momento. Fica a dúvida se será ficção ou uma realidade camuflada.
    Afinal este dia ainda consegue dar frutos em algumas mentes!

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    1. A leitura de cada um é livre, por vezes a linha que divide a realidade da ficção é muito ténue, deixo-te a liberdade do entendimento e da escolha. Este é um elogio e pêras, agradeço-o humildemente, tem um significado muito especial cariño :)

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  2. Mas que texto tão bonito, fruto de um tema tão forte.

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  3. Lindo o teu texto, a forma como entrelaças as palavras é fabulosa! "Palavra após palavra o futuro escrever-se-à", que assim seja! Um beijão e que venha depressa a segunda feira:)

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    1. Por vezes só nos apetece ouvir o coração e não a razão, hoje é um dia desses, já não é domingo ;)

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  4. Adorei este teu texto. Magnífico e bonito mesmo. Parabéns. :)
    Um beijinho e bom domingo.

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  5. Já não é surpresa para mim a forma como escreves ... mas mais uma vez te digo que ADOREI :)
    Besitos

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  6. Muito bonito o teu texto!
    "vida após vida vão tecer um tecido que a cada teia será mais perfeito até ser a seda da eternidade."

    Bjinho

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  7. Gostei tanto, mas tanto do teu texto. Parabéns.

    Beijinhos

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  8. Não podemos terminar todos da mesma forma. Não faria sentido a vida que temos!!!

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  9. o favorito desta semana. O tema não foi fácil para algumas, não penso que tenha sido o teu caso. é excelente! beijinhos

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  10. este pede-me tempo, volto para saboreá-lo como é devido.

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  11. UAU!
    Escreves maravilhosamente bem...
    Já sabes que sou tua fã, não sabes?
    Jocas

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