# 3 Diário de Bordo

Está calor. Constatação do óbvio. O país arde. Há dois anos, por estes dias, a sobrevoar o Atlântico o cheiro dentro do avião a floresta queimada era tal que qualquer alminha desatenta e sonolenta tinha encomendado a alma ao criador... terra não se via, só uma imensidão de mar e céu, no entanto, o país ardia e a uns quantos mil pés de altitude o ar era irrespirável. Ontem, no centro do país a mesma cortina de fumo, o mesmo cheiro. Hoje a Madeira arde, Tavira arde e mais uns quantos pontos negros pelo mapa fora marcam a época dos incêndios. Os portugueses vão a banhos e o país vai a cinzas. Moral da história: ardemos todos os Verões à boa maneira portuguesa. 

Está calor. A janela está aberta e o cheiro a sardinha assada do almoço da vizinha enjoa-me. Detesto o cheiro. Se fecho a janela morro abafada, se a mantenho aberta morro enjoada. O gato dorme a sesta no sofá. Vou fazer um intervalo, beber um café, entreter a dor de cabeça com a voz doce que canta uma canção que ouço em repeat mode, voltar a sentar-me aqui e trabalhar. O meu eu físico está aqui, o resto anda algures por aí ao som de uma canção em repeat mode.